No vasto universo do cinema de terror, existe uma hierarquia não escrita. Temos os filmes de monstros, os slashers sanguinários, os thrillers psicológicos e, num lugar especial, aqueles que tocam nos nossos medos mais primitivos e cotidianos.
(When a Stranger Calls), tanto na versão original de 1979 quanto no remake de 2006, se encaixa nessa última categoria. Não precisa de criaturas sobrenaturais ou litros de sangue para causar medo. O terror vem da simplicidade assustadora da premissa: uma babá, uma casa isolada e um perseguidor misterioso ao telefone.
Essa combinação aparentemente básica serve como um gatilho para explorar vulnerabilidade, isolamento e a invasão do espaço seguro. O filme nos lembra que o verdadeiro horror está muitas vezes no comum, no cotidiano, e que, às vezes, a maior ameaça está mais perto do que imaginamos.

Quando o Demônio Chama
Resumo da trama (Versão de 1979)
A história se desenrola em três atos distintos, cada um com seu próprio tom e propósito:
Ato I: A Noite do Terror
Jill Johnson, uma adolescente responsável, mas um tanto ingênua, chega à casa dos Mandrakis, um casal rico que mora em uma mansão moderna e isolada. Com grandes janelas e um design labiríntico, a casa quase se torna um personagem do filme. Enquanto as crianças dormem, Jill começa a receber ligações estranhas.
No início, são apenas silêncios e respirações pesadas. Depois, uma voz masculina repete insistentemente: "Você já verificou as crianças?" A tensão aumenta conforme as chamadas se tornam mais frequentes e ameaçadoras. Inicialmente irritada, Jill fica cada vez mais apavorada. Ela liga para a polícia, que rastreia as chamadas e revela uma verdade aterrorizante: o perseguidor está ligando de dentro da casa.
O pânico toma conta de Jill enquanto ela tenta encontrar as crianças e escapar do predador invisível. Esse ato culmina com uma cena arrepiante e a captura do assassino, Curt Duncan.
Ato II: As Cicatrizes do Passado
Sete anos depois, Jill é uma universitária tentando levar uma vida normal, mas o trauma daquela noite a assombra. Ela sofre com pesadelos, paranoia e uma constante sensação de insegurança.
O filme explora o impacto psicológico duradouro do evento, mostrando como o medo pode moldar a vida de uma pessoa. Jill está em um relacionamento, mas sua dificuldade em confiar e se sentir segura é evidente.
Ato III: O Retorno do Monstro
Curt Duncan foge do hospital psiquiátrico onde estava internado. O detetive John Clifford, que investigou o caso original, se vê obcecado por proteger Jill e impedir Duncan antes que ele ataque novamente. Esse ato se transforma em um thriller de perseguição, onde passado e presente colidem. Jill, mesmo aterrorizada, precisa enfrentar seu agressor mais uma vez, descobrindo uma resiliência que nem sabia ter.
Diferenças entre as versões de 1979 e 2006
O remake de 2006 foca quase exclusivamente no primeiro ato da versão original, expandindo a noite de terror de Jill. Embora a premissa seja a mesma, algumas diferenças se destacam:
Maior isolamento: a casa no remake é ainda mais afastada, situada em uma região montanhosa e remota.
Uso da tecnologia: celulares, internet e sistemas de segurança modernos desempenham um papel mais importante na trama.
Mais sustos repentinos: o remake aposta em jump scares e efeitos visuais para aumentar a tensão.
Menos desenvolvimento psicológico: o foco está na ação e no suspense imediato, ao invés da exploração do trauma a longo prazo.
Produção e elenco
Versão de 1979
Diretor: Fred Walton
Walton começou sua carreira dirigindo curtas-metragens. The Sitter, curta que inspirou Quando o Demônio Chama, foi seu projeto de graduação. Sua habilidade em criar tensão com poucos recursos é evidente no filme.
Jill Johnson: Carol Kane
Kane transmite tanto a inocência inicial de Jill quanto a força que surge após o trauma.
Detetive John Clifford: Charles Durning
Um ator veterano que traz autoridade e empatia ao personagem.
Curt Duncan: Tony Beckley
Com pouco tempo em cena, Beckley consegue criar um vilão perturbador e imprevisível.
Versão de 2006
Diretor: Simon West
Conhecido por filmes de ação como Con Air e Lara Croft: Tomb Raider, West traz um estilo mais dinâmico ao remake.
Jill Johnson: Camilla Belle
Com uma beleza juvenil e vulnerabilidade convincente, Belle entrega uma performance semelhante à de Kane.
Ameaça invisível: Tommy Flanagan (voz) & Lance Henriksen (presença física)
Flanagan fornece uma voz arrepiante ao perseguidor, enquanto Henriksen aparece brevemente para adicionar uma ameaça física real.

Produção e elenco
Recepção da crítica e do público
Filme Original (1979)
Crítica: recebeu avaliações mistas no lançamento. Enquanto alguns elogiaram a construção da tensão e a atuação de Kane, outros acharam a trama previsível e a segunda metade inferior à primeira. Com o tempo, o filme conquistou status de cult e é considerado um clássico do terror psicológico.
Público: um sucesso comercial. o público se conectou com o realismo e a capacidade do filme de assustar sem recorrer a violência gráfica.
Versão recente (2006)
Crítica: em sua maioria negativa, criticando a falta de originalidade e o excesso de sustos fáceis.
Público: apesar das críticas, foi um sucesso de bilheteria, provando que a premissa ainda assusta o público moderno.

Recepção da crítica e do público
O que torna o filme tão aterrorizante?
1. Realismo assustador
A situação de uma babá sozinha em casa é algo comum, o que torna mais fácil para o público se identificar e amplifica o medo. O terror não vem de monstros ou fantasmas, mas de uma ameaça real e crível.
2. Poder da imaginação
O filme usa o som e a sugestão de maneira brilhante. O silêncio, a respiração pesada, a voz do perseguidor... tudo cria uma atmosfera de medo e incerteza. Muitas vezes, o que imaginamos é mais assustador do que o que vemos.
3. Fragilidade humana
Jill não é uma heroína invencível. Ela é apenas uma adolescente comum, vulnerável e assustada. Isso a torna mais real e aumenta a empatia do público.
4. A Invasão do Espaço Seguro
A casa, um símbolo de proteção e segurança, se torna uma prisão. A revelação de que o perigo está dentro da casa é profundamente perturbadora.
5. O Trauma Psicológico
Diferente de muitos filmes de terror, Quando o Demônio Chama não se limita ao susto momentâneo. Ele mostra como o trauma pode assombrar alguém por anos.
6. Ameaça Invisível
A maior parte do tempo, o perseguidor é apenas uma voz no telefone. Não sabemos como ele é, quais são suas motivações. Essa falta de informação o torna ainda mais assustador.

Ameaça Invisível
Conclusão
"Quando o Demônio Chama" transcende o terror convencional ao explorar não apenas o medo imediato, mas também as cicatrizes emocionais que ele deixa. A versão original de 1979 se destaca pela tensão psicológica, criando um suspense que se apoia na sugestão e no desconforto do espectador. O remake de 2006, embora mais focado na ação e no choque, mantém a essência angustiante da premissa.
O que torna essa história tão assustadora não são apenas as ameaças explícitas, mas a forma como ela nos confronta com a vulnerabilidade do cotidiano. O lar, um espaço de proteção, torna-se palco do perigo. O telefone, um meio de comunicação, se transforma em um instrumento de terror. O medo, em sua forma mais pura, não precisa de monstros ou fantasmas; basta a incerteza do que pode estar à espreita na escuridão.
Mais do que uma narrativa de sustos, "Quando o Demônio Chama" é um estudo sobre a fragilidade humana, a invasão do espaço seguro e o impacto duradouro do trauma. Sua atemporalidade reforça o que há de mais essencial no horror: o desconhecido, o invisível e a certeza inquietante de que o perigo pode estar muito mais perto do que imaginamos.